sábado, 8 de março de 2014

Fluxo

Teus olhos são poços fundos.
Que disfarçam-se, convidativos,
tal como as canções suaves
que me embalam gentilmente.
E de repente me fazem chorar.

Olhar-te, é desejar
que meu rio esverdeado
desague no teu, tão lindo
Que é de uma escuridão
que atrai todo meu ser.

Mas existe uma rocha
demasiado grande, pesada
Que separa nossas águas.
e impede que eu despenque
como cachoeira sobre ti.

Já está ficando noite.
Talvez nunca mais te veja.
Vem, tira esta pedra comigo.
Para que nossas águas, enfim
se encontrem e se beijem.

E para sempre circulem,
livremente entre nós.




Notas de início e fim

Dó.
O som.
Convidou-a.
Apaixonou-a.
Repentinamente.
Tocou seu âmago.
Despertou seu amor.
Apenas algumas notas?
Não! Havia algo de místico.
A sintonia no ar, na música, na face.
Uma ligação com aquela doce harmonia.
Tão louca e inexplicável interação silenciosa.
A melodia puxava forte… E feria por ser tão bela.
Não podiam se soltar, tal afeto era desconhecido até então.
Que pobres existências amarradas pelos laços vis da admiração.
Mas logo soaram as palmas acompanhadas do desespero.
E aquela sensação permanente de música inacabada.
O instantâneo amor ainda pairava perplexo no ar.
Porém a nota final sempre soará a separação.
A música e a moça deixar-se-iam então.
Todavia não ousemos chamar de fim.
A moça levaria a música consigo.
Mas a música só possui vida
Quando está vibrando no ar.
A moça com carinho
Guardou-a sozinha.
Infelizmente, só.
Pois, a música
não é matéria.
Lá esqueceu.
A moça.
Tão só.
Dó.






domingo, 15 de dezembro de 2013

abalo sísmico

a cada revelação, uma lágrima
a cada lágrima, uma perda
olhaste para meus olhos
naquele momento?

haviam incontáveis lágrimas
que não podiam escorrer
esperança, fé, inocência,
confusas em meus olhos turvos
prestes a desaguarem para sempre
neste mar revolto e profundo

(como tornar o caos manso
quando o nosso interior
está todo se rasgando?
- por um segundo fraquejei
e tremi perceptivelmente)

“neste abalo que vive
muita coisa se perderá
mas não deixe esvair
as coisas tão belas
que esta ventania
também quer te levar"

silenciosamente
tudo desmoronava
e eu precisava sorrir
em minha própria morte.





terça-feira, 26 de novembro de 2013

O som que dissolveu meu encanto

Faltava materialidade naquela noite. Havia partículas brancas nos ares (era névoa?) e fazia um frio desesperador. Mais do que tudo eu necessitava de um toque humano. Insanamente. O que me levou a segurar sua mão em um impulso, para me salvar daquela sensação terrível. Nós apenas estávamos conversando sobre coisas triviais, sentados no meio fio de uma calçada naquela noite estranha. Até que o frio penetrou em minhas entranhas e de repente cometi esse ato impensado. Depois de olhar para seus olhos assustada com o que fiz, retirei a minha mão, mesmo que você, vacilante e com dúvidas, tenha a segurado também. Mesmo que naquele breve toque todo frio tenha se dissipado, eu não podia fazer isso. Sinto muito, não queria transpor a barreira invisível que criamos entre nós. A barreira de duas pessoas que compartilham o segredo de apenas uma delas amar. Sou eu que te amo e tudo que eu faça pode parecer uma agressão. Portanto tive que retirar, mesmo que aquele toque fosse minha salvação. Sentia alguma vergonha, pois sei que no fundo esse ato não foi tão despretensioso assim. Mas continuamos a conversar como se nada tivesse acontecido. Ainda busco entender esse processo de naturalidade entre nós, mesmo que tudo aconteça há um pacto silencioso de não comentar nada. E assim esqueci minha vergonha, mas não esqueci a sensação do toque e pra ser sincera queria que acontecesse tal acidente de novo. Confirmando a estranheza de toda essa situação, de repente você começou a oferecer ramos de folhas a moças bonitas que passavam, o que me fez sentir algo estranho, o velho sentimento de “por que não eu?”. Como se tivesse lido meus pensamentos, você comentou que isso é muito diferente de amor. E o que foi mais inusitado ainda foi você ter dito que estava começando a sentir algo próximo disso (amor?). Soltei um “ahn?” que ecoou na noite. Passava em minha cabeça “será que é por mim? isso não pode estar acontec...”. E de repente você se aproximou e estava do meu lado, me abraçando e dizendo que se falasse a verdade começaria a rir, eu disse que seja lá o que fosse iria rir também. Nada disso fez sentido, mas quando vi, já estava nos seus braços, e tudo ficou mais escuro e nebuloso. Por alguns segundos me perdi nesse abraço que era de uma sensação azul. Não enxergava mais nada mas sabia pelo som de sua respiração que nossas faces estavam se aproximando. Nos beijamos e tudo virou um fluxo, a luz e a escuridão oscilavam, sentia algo tão forte, mas era como se faltasse materialidade, era como se tudo só existisse dentro de mim. Em alguns momentos sentia meu rosto atravessar o seu. Mas compreendi, pois dizem que quando beijamos quem amamos é como se fossemos pra outro universo. Era exatamente essa a sensação. Estranha, irreal e real ao mesmo tempo. O fato é que eu queria aproveitar cada segundo daquilo que parecia que ia desaparecer. Queria que o frio congelasse tudo pra não se dissipar jamais (por que toda felicidade eu já vivo sabendo que irá acabar?). Não via a hora de ouvir o que tinha a dizer sobre aquilo tudo, e ao mesmo tempo sentia que nunca ouviria. Por que? Pelo nosso pacto? Por que foi um deslize? Por que teríamos que esquecer? Aos poucos a sensação maravilhosa dividiu espaço com uma angústia: por que eu nunca saberia o que pensa disso? Mas o momento me enebriou novamente e parei de me importar. Fui mergulhando cada vez mais nesse beijo, nessa sensação, nesse espaço sideral que se abriu no nosso enlace. De repente um telefone tocou. Cambaleei como se tivesse sido atingida em cheio. Estava tonta, não sabia onde fui parar. Até tocar no móvel da sala. Reconheci a materialidade da vida e chorei. 
















segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Canção de ninar

Dorme, amor.
Nas profundezas de mim,
Deixa-me descansar
Da tempestade que passou
(teu caos é belo, mas dói)

Dorme, pois é tempo de seguir
em frente, para todo sempre
sei que estará aqui, então deite,
que vou olhar por ti,
(não desvanecerás)

E quem sabe um dia,
eu possa te acordar,
Se ele abrir as janelas
para o sol entrar, 
(e flores nascerão em nós)

Mas doce e triste amor, 
perdoe-me, 
se jamais te despertar,
pois se não houverem flores.
terás que dormir para sempre.
(lamentavelmente)

Por hoje, boa noite 
a todo amor que sinto.
Nos veremos em sonhos, 
beijarei tua testa,
mas por favor,
não acorde
(por enquanto)





segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Apenas uma reflexão sobre uma coragem desajeitada.

Não se pode dizer que ela não tinha coragem. Mesmo que fosse uma coragem torta e inadequada. Coragem que não brotava quando devia, mas vinha com toda força quando era melhor que ficasse escondida. Sim, era uma coragem, por certo, suicida. Que ao invés de a libertar, a empurrava mais ainda pro seu mundo de medos e fantasias. Mas ainda assim podemos chamá-la de corajosa. Pois ela agia, nas piores horas e das piores formas, mas agia. Não por um ato de bravura, mas para livrar-se do que carregava. Havia alguma covardia em sua coragem. Pois irrompia por não aguentar mais o fardo, as palavras guardadas, o sentimento sufocado. Esconder se tornava tão insuportável que de repente explodia em uma ação irrefletida, e logo em seguida tinha vontade de correr para longe do que fez. Paradoxalmente, conviviam medo e coragem, alivio e remorso, esperança e descrença. Mas quem disse que coragem é sempre valentia destemida? Quem disse que cada palavra no mundo tem uma única possibilidade de sentido? Pois sua coragem desastrada e cheia de temor também é potência e força de transformação. E eu digo, ela é mais corajosa do que medrosa, pois sua coragem, além de tudo, precisa de uma força descomunal para lutar a cada dia contra o medo que tenta devorá-la.


ilusão (ou a beleza vermelha que manchou a cidade)

era uma vez
uma cidade cinzenta
só de cimento e concreto

e pessoas duras como pedras
um dia uma rosa ali brotou
e seu perfume se espalhou
incondicionalmente bela
um grande incomodo
uma verdadeira agonia
fazia as pessoas pensarem
em suas vidas tão vazias
quase foi uma flor revolucionária

mas, resolveram arrancar a rosa
com o pretexto de voltar
à uma suposta ordem

e nunca mais tocaram no assunto

terça-feira, 8 de outubro de 2013

A primeira comédia

A menina apesar de leve
não encarava a vida com leveza
havia algo de pesado e escuro
em seu belo, porém triste mundo.

Até que um dia, experimentou

abrir seu coração para o humor.
Mas se indagava constantemente
Se era capaz de provocar risos
Ou se nunca serviria para isso.

Mesmo com medo, mergulhou

neste novo universo que surgia
De graça, leveza e brincadeira.
De sorrisos que brotam 
em coisas simples do dia-a-dia.

Aos poucos, um novo perfume

se propagou em sua vida.
Seu mundo que outrora
era apenas melancólico
Dividiu espaço com a alegria

Soou o primeiro sinal

brotaram as primeiras gargalhadas
olhou fixamente nos olhos
daqueles que  com ela dançariam
a dança final da transformação.

E foi então que abandonou

suas crenças mofadas e antigas
Foi então que viveu
a primeira comédia de sua vida.






quarta-feira, 17 de julho de 2013

Se essa lua fosse minha... Mas é.

Voei para a lua
onde gatos pretos
dançam livremente
pelas ruas, nos telhados
ou nos bares e cafés
ao som de jazz, blues
mpb e rock n' roll

E há árvores lunares
com frutas-livros
vigiadas por corujas
que indicam a leitura
de acordo com cada dia
variando com o clima
e conforme o meu humor

Voei para a lua,
lá eu posso ficar quietinha
ou quando eu quiser
posso gritar, dançar
declamar minha poesia
subir no palco, teatralizar
e ser silêncio outra vez

E há ruas enfeitadas de flores,
outras com brilhos e luzes.
Tem também a rua da melancolia
onde faz sempre inverno,
mas tem cobertores quentinhos.
(também chocolate, vinho e água quente)

Você não precisou me levar
nem cantar uma bela canção
Teci minhas asas e voei
Para minha lua, minha liberdade
Bem vindo ao meu lugar,
onde eu sou eu em plenitude.

Lunar como as borboletas
que se metamorfosearam
Não são mais borboletas interiores,
as vomitei pois me machucavam
E agora já tomaram todo meu mundo

E voam livremente pela lua.